Escrito por Ingrid Chaves
De maneira introdutória, enfatiza-se que a autodeterminação que é um dos princípios da bioética (princípio da autonomia), visa preservar a autonomia da pessoa mesmo em situações em que a anomalia à saúde se faz presente.
Deve-se lembrar que toda pessoa possui o direito não só à autonomia da vontade com relação ao tratamento a ser realizado como também de possuir informações claras e objetivas (princípio da informação adequada) de forma que tenha completa ciência não somente de qual procedimento será realizado como também de suas implicações, de tal maneira que consiga compreender tudo o que foi explicado.
Ainda no tocante à autodeterminação, é necessário mencionar o dispositivo legal que trata da autonomia dos seres humanos em tomar decisões, representado pelo Artigo 5 da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos:
“Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia.” (Grifou-se)
Fato é que, embora seja amplamente amparado o direito do paciente em tomar decisões, em especial, no tocante à realização ou não de um procedimento médico, por muitas vezes esse direito é ignorado pelos profissionais e instituições de saúde, acarretando não só em falha ética como também possível ilícito civil capaz de gerar indenização.
Inúmeros são os motivos que acarretam ao paciente em decidir pela recusa de um tratamento, entretanto, independentemente do motivo que originou tal recusa, a decisão do paciente deve ser respeitada, salvo em caso de iminente risco de morte, conforme o artigo 31 do Código de Ética Médica (Resolução nº 2217/2018):
“É vedado ao médico:
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.”
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, por meio do julgamento do Recurso Especial n° 1.540.580-DF, formalizou o Informativo de Jurisprudência n° 632, que teve como tese jurídica fixada o seguinte entendimento:
“A inobservância do dever de informar e de obter o consentimento informado do paciente viola o direito à autodeterminação e caracteriza responsabilidade extracontratual.”
Ou seja, é necessário ao profissional da saúde atentar-se, prezando pela prestação de informações ao paciente, bem como pelo seu consentimento, isto é, antes mesmo de iniciar o tratamento.
Pois, ao realizar o procedimento médico sem o consentimento do paciente, além de violar as obrigações da relação médico-paciente previstas no Código de Ética Médica, também se expõe ao ilícito civil.
Ademais, acerca do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que entende a responsabilidade extracontratual como consequência da violação ao direito de autodeterminação do Paciente, é necessário explicar sobre a modalidade de responsabilidade em questão.
Sendo assim, a Juíza de Direito no Estado de São Paulo – Maria Cristina de Almeida Bacarim, em seu artigo intitulado “A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL E OS SEUS PRESSUPOSTOS”, conceitua o artigo 186 do Código Civil que rege o instituto da responsabilidade extracontratual:
“A expressão “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito” diz respeito, notadamente, ao ato ilícito subjetivo. O segundo pressuposto vem consagrado pelos termos “dano a outrem, ainda que exclusivamente moral”. Por fim, o nexo de causalidade é extraído do verbo “causar”. Só surgirá o dever reparatório quando, via de regra, estiverem presentes todos estes pressupostos, com todas as suas particularidades (…)”
Em suma, a autodeterminação, coloca o paciente como sujeito mais importante da relação clínica, visto que mesmo em meio à evidente vulnerabilidade física e/ou psicológica, permanece resguardada a sua dignidade, ou seja, liberdade de escolher se consente ou não com a realização de um tratamento.
A confiabilidade da pessoa enferma ao profissional da medicina, não simboliza a incapacidade dela em tomar decisões.
Dessa forma, é importante a todos os médicos, odontologistas, demais profissionais da saúde, clínicas e hospitais que detenham processos de informação completa aos pacientes com relação a cada procedimento específico, seja por meio da informação passada pessoalmente ao paciente como também pela documentação médica, que deve ser sempre atualizada e revisada com o auxílio de equipe jurídica especializada.